domingo, 18 de abril de 2010

Outono



Anuncia-se um tempo em que a alma não mais se agita com as vitórias que um dia tanto almejávamos. Em que essas mesmas parecem não ter mais sentido algum. Nossas retinas parecem então não se mover ou brilhar como antes no avistar de um primeiro sinal de conquista; tornam-se pálidas, tímidas. A boca fica fria, receosa de mais um sorriso desmantelado e falso. A mente se confunde numa valsa que afasta o pensar e o sentir, ambos buscando passos opostos numa dança. É um período de confusão, de quando as palavras fogem da boca e do espírito, esquecendo-nos, como nós parecemos termo-nos esquecido também; e do desespero, tecido pelos fios ávidos da memória, que congela um passado feliz e nos lança sem qualquer misericórdia num presente opaco. E sonhamos reconstruir uma felicidade outrora compartilhada por tantos; e nossos queridos também desejam. Encontramo-nos, falamo-nos, olhamos fundo olho a olho. Uma frieza se difunde... “Onde estás, velho amigo?” – perguntamo-nos, assim como eles também se perguntam. Não há repostas. Tudo fica frio. Nos saturamos das velhas pessoas.

Chega um momento em que a garganta gela, o peito aperta e as mãos trepidam. Passamos a suspirar numa freqüência muitíssimo breve. Cada inspiração guarda a esperança de alívio contida num próximo choro. Felizmente, as lágrimas caem abundantes - que seria de nós sem elas? – e ainda assim deixam um vácuo no abdômen, um vazio repleto de angústia e medo. Tememos seguir os destinos fustigados dos nossos pais, ou de qualquer outra pessoa que um dia já tenhamos amado. Abre-se um leque de caminhos e encruzilhadas; mas também a cruz nos ombros das nossas escolhas.

Essa é a ocasião da angústia, do medo, da ansiedade e -antes de tudo- da solidão. E assim é em qualquer outono. Nunca se sabe quão violento pode ser o confinante inverno, tampouco quantas flores abrigarão a primavera que há por vir. Eis um período em que conhecermo-nos além de nós mesmos torna-se um imperativo. É a etapa do mergulho profundo, da análise das nossas almas, de jogarmo-nos em suas multiplicidades e encararmos suas desobediências diante dos nossos “irrevogáveis desejos”. É o ínterim de um suspiro; uma inércia profícua. E é mesmo dorido notar as cores arborescidas romperem silentes sob os nossos pés, bem como sentir saudades dos tantos sóis que nos ajudaram a galgar força e altura. Mas quem a mesmice não lança o novo não vem a encantar. O tempo é o mar que afoga e faz navegar os sonhos. É preciso sabedoria e coragem para livrarmo-nos daquilo que nosso apego insiste em afirmar que ainda não murchou. Faz-se necessário abandonar certas esperanças, inflar outras. É a ocasião de livrarmo-nos das flores, frutos e folhas que por tanto tempo nos habitaram. Os deixemos cair. A terra os irá tragar, permitindo que nossas raízes se nutram de tudo que um dia foi nosso. Assim cresceremos mais fortes, nos alimentando na fonte perene da memória.

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