terça-feira, 22 de junho de 2010

Alice no País das Lágrimas



"Gostaria de não ter chorado tanto!" disse Alice, enquanto nadava de um lado para outro, tentando encontrar uma saída. "Parece que sou castigada por isso agora, afogando-me nas minhas próprias lágrimas! Vai ser uma coisa esquisita, lá isso vai! Mas está tudo esquisito hoje".
Alice no País das Maravilhas


Esse trecho da grande obra do Lewis Carrol ilustra a responsabilidade que o ego contém sobre a felicidade humana. Alice, ao comer o bolo inglês, cresce tanto que chega mesmo a incomodar-se com seu novo tamanho. Devido ao infortúnio, chora. Contudo, parece que essas lágrimas pouco a afetam. É um choro sincero, de quem quer se ver livre de algo e não consegue, todavia, sem necessidade de pânico. É o momento em que se assusta ao ver que tudo ao seu redor diminui. Quando estamos gigantes a solidão é uma companheira de extrema lealdade e aí é que reside o problema: tornamo-nos bons, grandiosos, limitados tantas vezes pelo meio que nos cerca, e estranhos até para nós mesmos.

Acontece que não são raras as vezes que usamos o leque do Coelhinho Branco e experimentamos com isso o gosto triste da redução e da incapacidade. Alice encolheu com o utensílio em sua mão... Mas que esquisitice é o dia de hoje! - quem nunca pensou isso? Ontem eu era tão grande, agora tudo cresce espantosamente à minha volta. Glub... glub... Afogo-me nas lágrimas que um dia pus para fora. Definitavemente, há feridas que demoram meses, anos ou até uma vida inteira para serem cicatrizadas - às vezes ocorre ao tempo abrir fendas verdadeiramente profundas -, espero não ter nunca as mais medonhas!

É, menininha, parece que não nos cabe tentar fechá-las, nutrir esperanças de um dia esquecê-las, ou querer retornar às alturas de uma segundo para o outro. Nada disso. Devemos é viver, lutar com ímpeto, avidez, mas também com a calma dos sábios, que nos põe caução e faz-nos recordar que há tempo para tudo, inclusive para as vitórias. É tempo de olharmos que os pequenos não o são quando estamos do mesmo tamanho que eles - que diga o camundongo! E em combate incessante com nós mesmo e o mundo, alcançaremos nossos troféus, cresceremos infinitas vezes, atentando que lágrimas são apenas lágrimas, um líquido frágil demais para submergir os grandes seres.

Om Mani Padme Hum



quarta-feira, 9 de junho de 2010

Porta de madeira.


Criança, olho a porta de madeira.
É dura, forte e viva.
Deixo a infância
e olho a porta de madeira.
É úmida, amanhã quente.
Cupins.
Inchou.
Desinchou.
Envelhece.
Velha alma olha a porta de madeira.
Está sem graça,
tornou-se oca.

Nietzsche e o amor: brincadeirinha.



"Quando tu olhas, durante muito tempo, para um abismo,

o abismo também olha para dentro de ti"*.

O amor é um drama indispensável ao conhecimento de si.

E ao desconhecer-se. Se desconhecer. A si desconhecer-se.

Invadiu-me um ser alheio. Um ser que sou eu, mas que não era.

E não teve encanto não. Se apossou de mim, se apossou. Eu é que não era assim.

Não tinha esses medos, desenganos, esse jeito todo que não é meu.

O amor desperta coisas. O amor move. Move. Uma alma vai à outra.

É, o amor é uma alma na outra.


"O amor revela as qualidades sublimes e ocultas do que ama, o que nele há de raro,

de excepcional.

Nesse aspecto facilmente engana quanto ao que nele há de habitual"*.

O amor ensinou-me a cantar as tuas músicas. A vida sem a música seria um erro.

Erro mesmo eram as tuas músicas, e eu delas gostei.

O amor é também erro. O erro fortalece.

Ao que não mata, eu canto. Ao que mata também.


Não há essência, mas ruptura. Não há ordem, mas caos.

O amor é o drama do tempo. O rio sempre de ida. A ponte é tu quem atravessas, só tu .

Só tu deves atravessar a ponte da vida.

E por falar em água, o amor é drama d’água.

De água ingerida pela saudade. Do suor-ansiedade expelido.

E água ainda é sêmen difundido.

O amor é a água seca que trava a garganta na hora do adeus.


E resta a fraqueza, o gosto enojado. Confunde-se tudo.

Mas que fique o peito mudo e ressentido. Bom mesmo é na hora do teu.

O que te ausenta de ti é fraqueza. É mal o que vem da fraqueza.

O que é bom, verdadeiro e belo é a potência.

É boa essa vontade de potência.

É bom o ego.



*Referências à obra Para Além do Bem e do Mal.

sábado, 5 de junho de 2010

Ah, esses versos, tão bom lê-los agora liberto.


Cantar, ó cantar!

Eu queria ter vida
A mais do que tenho
A mais do que sonho

Eu queria ter tempo
Que de sono eu não ando
Atrás do que temo
Atrás do que eu amo

Eu queria era um pranto...
E voltar-me num vento
E voltar-me num canto!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Fiz-te um soneto, minha amiga Elena



Elena, a amizade é a grande mestra que nos guia pela vida, nosso navegar. Já se foram cinco giros juntos em torno do sol, cinco anos! Por mais que eu saiba que sempre posso contar contigo e também sentir a tua presença toda hora, uma saudade enorme vem crescendo dos últimos momentos que passamos juntos. A viagem para Minas e São Paulo marcou muito vida, criou feridas de saudades, mas alegrias imensas. "Quem quer ir até o Bojador tem que ir além da dor", não é?

Eu vejo a nossa amizade como uma relação em que duas almas clareiam sempre (e o futuro sabe disso) os mistérios que o oceano da vida lega a qualquer ser humano: brumas, confusões, decisões difíceis... O amor que temos ao pensamento (e que cria trovões em nossas mentes) junto à serenidade que podemos ceder um ao outro farão (e já fizeram) com que colhamos os melhores tesouros e minérios da vida. Diria que um diamante já colhemos: a amizade.

E se o nosso barco tombar algum dia, uma onda forte de Netuno nos pegar de surpresa e nos lançar para longe dos nossos objetivos, em ilhas nuas e desertas, sem ajuda de ninguém, lembraremos sempre que temos a felicidade e a mocidade, presentes legados apenas aos idiotas mais sábios deste mundo. E consertaremos nosso barco, sairemos cantando, alegando que não importa o que aconteça, navegar com alegria é sempre preciso, e viver não. Velas ao mar, amiga! Amo-te, mineira.



Soneto dos amigos navegantes

A amizade é infinita – laço firme de presença e saudade,

timoneira mestra agrilhoada ao velejar de vidas.

Em viagem contamos cinco tornas ao sol – boa idade!

Ao mar nossas almas assim se fizeram unidas.


Que uma acenda noutra a claridade

Quando o mar propuser-lhes brumas e mistérios

Na razão soa sempre o som da tempestade

E a serenidade faz-nos colher tesouros, minérios


E se a pendida forte do barco, o rasgo da vela,

O vômito de Netuno sob a silente lua

Fizer-nos náufragos, frente à quimera


Ponha-se a felicidade em praia nua - vamos ao leme!

Pois “navegar é preciso”, Elena, e a mocidade plausível sempre

Nesta amizade que é minha, é tua e é bela.