quinta-feira, 29 de abril de 2010

Felicidade


Borboletas,
infinitas que são,
esquecem-nos das pedras,
nosso mal,
nosso quinhão.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sóis Noturnos



Noite
veludo negro
brilhante
abriga o Sol tímido
refletido
em retinas
cintilantes.

domingo, 18 de abril de 2010

Outono



Anuncia-se um tempo em que a alma não mais se agita com as vitórias que um dia tanto almejávamos. Em que essas mesmas parecem não ter mais sentido algum. Nossas retinas parecem então não se mover ou brilhar como antes no avistar de um primeiro sinal de conquista; tornam-se pálidas, tímidas. A boca fica fria, receosa de mais um sorriso desmantelado e falso. A mente se confunde numa valsa que afasta o pensar e o sentir, ambos buscando passos opostos numa dança. É um período de confusão, de quando as palavras fogem da boca e do espírito, esquecendo-nos, como nós parecemos termo-nos esquecido também; e do desespero, tecido pelos fios ávidos da memória, que congela um passado feliz e nos lança sem qualquer misericórdia num presente opaco. E sonhamos reconstruir uma felicidade outrora compartilhada por tantos; e nossos queridos também desejam. Encontramo-nos, falamo-nos, olhamos fundo olho a olho. Uma frieza se difunde... “Onde estás, velho amigo?” – perguntamo-nos, assim como eles também se perguntam. Não há repostas. Tudo fica frio. Nos saturamos das velhas pessoas.

Chega um momento em que a garganta gela, o peito aperta e as mãos trepidam. Passamos a suspirar numa freqüência muitíssimo breve. Cada inspiração guarda a esperança de alívio contida num próximo choro. Felizmente, as lágrimas caem abundantes - que seria de nós sem elas? – e ainda assim deixam um vácuo no abdômen, um vazio repleto de angústia e medo. Tememos seguir os destinos fustigados dos nossos pais, ou de qualquer outra pessoa que um dia já tenhamos amado. Abre-se um leque de caminhos e encruzilhadas; mas também a cruz nos ombros das nossas escolhas.

Essa é a ocasião da angústia, do medo, da ansiedade e -antes de tudo- da solidão. E assim é em qualquer outono. Nunca se sabe quão violento pode ser o confinante inverno, tampouco quantas flores abrigarão a primavera que há por vir. Eis um período em que conhecermo-nos além de nós mesmos torna-se um imperativo. É a etapa do mergulho profundo, da análise das nossas almas, de jogarmo-nos em suas multiplicidades e encararmos suas desobediências diante dos nossos “irrevogáveis desejos”. É o ínterim de um suspiro; uma inércia profícua. E é mesmo dorido notar as cores arborescidas romperem silentes sob os nossos pés, bem como sentir saudades dos tantos sóis que nos ajudaram a galgar força e altura. Mas quem a mesmice não lança o novo não vem a encantar. O tempo é o mar que afoga e faz navegar os sonhos. É preciso sabedoria e coragem para livrarmo-nos daquilo que nosso apego insiste em afirmar que ainda não murchou. Faz-se necessário abandonar certas esperanças, inflar outras. É a ocasião de livrarmo-nos das flores, frutos e folhas que por tanto tempo nos habitaram. Os deixemos cair. A terra os irá tragar, permitindo que nossas raízes se nutram de tudo que um dia foi nosso. Assim cresceremos mais fortes, nos alimentando na fonte perene da memória.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Soneto ao Nada


Arrasta-te em minha alma, ó nada!
Neste noite de perdidos sonhos tecida
teu opaco açoite meu corpo permeia
sob as estrelas empalidecidas ao céu nu.

Navega-me tu, ó nada que lavras
a poesia concreta, clara e polida
meditada em tua maré dorida -
o vácuo fecundo que sentem os poetas.

Ó nada, és estéril e florescente.
Sendo vazio, és em tudo crescente,
desde em meu peito, onde ecoas mudo.

E puro sentimento, vibração com louvor,
daqueles que te sentem, ó nada,
da inspiração és o grande senhor!

sábado, 10 de abril de 2010

Maturidade



No limiar do ser
difuso e plural
o par lacrimal
percebe-se e dista.

Rompe a luz
do sono jovial
e o real se avista:
o leque e a cruz.

O labirinto seduz:
caminhos... sonhos...
O venial mate-xeque
ao juízo medonho.

Encruzilhadas, um ser
perdido, desvairado,
passa e lê: "demasiado
jovem para viver!"

Ao amigo Drummond


"No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra


Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra"

(No meio do caminho - Carlos Drummond de Andrade)


No meio do caminho tinha uma borboleta

tinha uma borboleta no meio do caminho

tinha uma borboleta

no meio do caminho tinha uma borboleta


Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão esperançadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma borboleta

tinha uma borboleta no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma borboleta


Poeta Mediano




Meus versos, quietos e inexpressos
não sussuram ocos (se os fossem!)
quais os humanos abscessos
mugidos às mãos fundas de Eliot.
Não vagam por reinos de sonhos,
de morte, inferno, ou purgatório, ou paraíso,
tais os daquele, que em conselhos virgílios,
aprendiz torna-se amante
e pintor, e poeta e viajante.
À Beatriz que pinceladas de tríades sons - Dante!

Minhas rimas não são depressões argutas
postas em brisas leves e iracundas,
tristes Flores Belas de calor,
ardentes a um imediato amor.
Não de agonia ou vazios profundos
de um certo Fernando meditabundo
que o toque impele minha Pessoa
à poética labuta que ressoa... e ressoa...

São linhas de suspiro num palco
inerte à perda da política luta;
opostas as de uma Neruda, amigo Pablo.
Apenas linhas de berros e estilhaços
que afrouxam do peito esse laço
de poeta oco e mediano.

Poetrix

A vida

A água vem e lava
A vida, beira de areia
Que o mar lavra, e depois traga.


O uivo

À lua lupina
o uivo que míngua
a cheia solidão.


Insônia

Ao insone
o desespero medonho
da aurora que rompe.


Haiti

A terra tremeu.
Coração, segue adiante...
Não, não esqueceu.


Escrita

Rasga o peito e irrita
a poesia que dói
o gênio que dista.


Estudo

Quero cair de boca
engolir o sêmen profícuo e profundo
do saber dos livros meditabundos.


Covardia

A briga que dista
a boca que cala
a fúria que fica.

O Crepúsculo e a Velha


(Aperta a torneira do celeste teto

espremem-se as últimas gotas coloridas

num desmanche belo do azul óleo

que aos velhos glóbulos chorar faziam

à pintura do laranja e do vermelho

o crespuscular prelúdio de estrelas

o pousar de mais um sol findo...)


Eita, velha, que tu aprendeste a amar

E logo a sonhar e a pensar,

E depois a falar, a ler, a escrever.

Sonhaste em ser tua mãe, e dedicar-te a outro pai

Descobristes que eram fracos e humanos

E que tu também o eras.


Eita, que te apaixonastes

E entendestes que isso não preenche

O vazio que todo ser sente

E que crava sulcos na alma

E um peito frio, ao viver e a encerrar

Uma união que não acalma


Eita, que a vida permitiu-te conhecer

os filhos dos teu sonhos

e os filhos dos filhos dos teus sonhos

e vê-los viver

e os sonhos tos teus filhos

e os sonhos dos teus netos

e ver alguns padecer

- como padeceram vários dos teus também.


Agora, tu lembras dos tempos passados

e recordas alegre do que existiu,

momentos em que tua boca não sorriu.

E o vento soa largado

ao encontro dos teus nervos desmantelados

e às memórias discordantes do que ruiu.


O poente ao monte descansa

e tua vista não mais alcança

o futuro em que outrora vagueavas.

O olhar à terra tu lanças

a areia, a poeira e a voz

dos que antes estavam como ti.

E atroz, agora debaixo de ti,

em abraços eternos com os vermes

que então devoram seus músculos.

Velha, que teu peito não gele

Na hora breve de teu crepúsculo.