sábado, 10 de abril de 2010

O Crepúsculo e a Velha


(Aperta a torneira do celeste teto

espremem-se as últimas gotas coloridas

num desmanche belo do azul óleo

que aos velhos glóbulos chorar faziam

à pintura do laranja e do vermelho

o crespuscular prelúdio de estrelas

o pousar de mais um sol findo...)


Eita, velha, que tu aprendeste a amar

E logo a sonhar e a pensar,

E depois a falar, a ler, a escrever.

Sonhaste em ser tua mãe, e dedicar-te a outro pai

Descobristes que eram fracos e humanos

E que tu também o eras.


Eita, que te apaixonastes

E entendestes que isso não preenche

O vazio que todo ser sente

E que crava sulcos na alma

E um peito frio, ao viver e a encerrar

Uma união que não acalma


Eita, que a vida permitiu-te conhecer

os filhos dos teu sonhos

e os filhos dos filhos dos teus sonhos

e vê-los viver

e os sonhos tos teus filhos

e os sonhos dos teus netos

e ver alguns padecer

- como padeceram vários dos teus também.


Agora, tu lembras dos tempos passados

e recordas alegre do que existiu,

momentos em que tua boca não sorriu.

E o vento soa largado

ao encontro dos teus nervos desmantelados

e às memórias discordantes do que ruiu.


O poente ao monte descansa

e tua vista não mais alcança

o futuro em que outrora vagueavas.

O olhar à terra tu lanças

a areia, a poeira e a voz

dos que antes estavam como ti.

E atroz, agora debaixo de ti,

em abraços eternos com os vermes

que então devoram seus músculos.

Velha, que teu peito não gele

Na hora breve de teu crepúsculo.

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