terça-feira, 26 de abril de 2011

Tecendo o amor (a João Cabral de Melo Neto e Larissa Botto)


Cada segundo que passa tece o encanto e o desencanto do mundo.
O meu segundo, o teu segundo, o segundo deles, outros tantos segundos emaranhados.

Assim se ergue a azul manhã, à força de um segundo de um galo que canta
e outros segundos de canto deste galo mesmo.
E além: outros segundos de cantos de tantos outros galos
apanhados à estrela luzidia: o Sol já acordado.

Como não se faz em um segundo a alvorada
meu despertar exprime-se em vários:
segundo após segundo (a vista inda de sono enevoada)
palpita o coração pesado a cada ponteiro levantado em busca do futuro
sete horas e cinco minutos e dois segundos
sete horas e cinco minutos e três segundos
sete horas e cinco minutos e quatro...
cinco...
seis...
sete segundos!
Parece que uma chave de rosca torce a aorta e o sangue se entorta todo para chegar ao coração.
Dói, e dói mesmo. E chamo isso de saudade.
Saudade é o encanto que habita o desencanto da ausência.

Os segundo que te não vejo, que te não ouço
que te não toco, que te não beijo
que mais são que ensejos do que há por vir?
São segundos de morte que querem brotar em vida.
Por isso gosto quando te calas: o silêncio cava-me a sede de tua voz.
Por isso gosto de te não ver-te: atroz a saudade cresce em que te fala.

E como um galo não tece a manhã com um canto solitário
a nós o amor só se mostra aveludado
ao encontro do segundo meu ao segundo teu
ao instante caro de sorrisos encontrados em nossos lábios
ao sangue circulando com vontade em minha aorta então recuperada.
A saudade que mata se converte em alegria
e dura o suficiente para revelar-se dor e falta.
É que te amo como um galo que acorda a manhã
e silencia, para vê-la fugir em saudade
e cantá-la para um novo dia!

Nenhum comentário:

Postar um comentário