(Aperta a torneira do celeste teto
espremem-se as últimas gotas coloridas
num desmanche belo do azul óleo
que aos velhos glóbulos chorar faziam
à pintura do laranja e do vermelho
o crespuscular prelúdio de estrelas
o pousar de mais um sol findo...)
Eita, velha, que tu aprendeste a amar
E logo a sonhar e a pensar,
E depois a falar, a ler, a escrever.
Sonhaste em ser tua mãe, e dedicar-te a outro pai
Descobristes que eram fracos e humanos
E que tu também o eras.
Eita, que te apaixonastes
E entendestes que isso não preenche
O vazio que todo ser sente
E que crava sulcos na alma
E um peito frio, ao viver e a encerrar
Uma união que não acalma
Eita, que a vida permitiu-te conhecer
os filhos dos teu sonhos
e os filhos dos filhos dos teus sonhos
e vê-los viver
e os sonhos tos teus filhos
e os sonhos dos teus netos
e ver alguns padecer
- como padeceram vários dos teus também.
Agora, tu lembras dos tempos passados
e recordas alegre do que existiu,
momentos em que tua boca não sorriu.
E o vento soa largado
ao encontro dos teus nervos desmantelados
e às memórias discordantes do que ruiu.
O poente ao monte descansa
e tua vista não mais alcança
o futuro em que outrora vagueavas.
O olhar à terra tu lanças
a areia, a poeira e a voz
dos que antes estavam como ti.
E atroz, agora debaixo de ti,
em abraços eternos com os vermes
que então devoram seus músculos.
Velha, que teu peito não gele
Na hora breve de teu crepúsculo.
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