
Borboletas,
"No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra"
(No meio do caminho - Carlos Drummond de Andrade)
No meio do caminho tinha uma borboleta
tinha uma borboleta no meio do caminho
tinha uma borboleta
no meio do caminho tinha uma borboleta
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão esperançadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma borboleta
tinha uma borboleta no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma borboleta
(Aperta a torneira do celeste teto
espremem-se as últimas gotas coloridas
num desmanche belo do azul óleo
que aos velhos glóbulos chorar faziam
à pintura do laranja e do vermelho
o crespuscular prelúdio de estrelas
o pousar de mais um sol findo...)
Eita, velha, que tu aprendeste a amar
E logo a sonhar e a pensar,
E depois a falar, a ler, a escrever.
Sonhaste em ser tua mãe, e dedicar-te a outro pai
Descobristes que eram fracos e humanos
E que tu também o eras.
Eita, que te apaixonastes
E entendestes que isso não preenche
O vazio que todo ser sente
E que crava sulcos na alma
E um peito frio, ao viver e a encerrar
Uma união que não acalma
Eita, que a vida permitiu-te conhecer
os filhos dos teu sonhos
e os filhos dos filhos dos teus sonhos
e vê-los viver
e os sonhos tos teus filhos
e os sonhos dos teus netos
e ver alguns padecer
- como padeceram vários dos teus também.
Agora, tu lembras dos tempos passados
e recordas alegre do que existiu,
momentos em que tua boca não sorriu.
E o vento soa largado
ao encontro dos teus nervos desmantelados
e às memórias discordantes do que ruiu.
O poente ao monte descansa
e tua vista não mais alcança
o futuro em que outrora vagueavas.
O olhar à terra tu lanças
a areia, a poeira e a voz
dos que antes estavam como ti.
E atroz, agora debaixo de ti,
em abraços eternos com os vermes
que então devoram seus músculos.
Velha, que teu peito não gele
Na hora breve de teu crepúsculo.